Introdução
Dificilmente
se fala destes três temas em separado, pois não há realmente como tratá-los
individualmente. A família greco-romana, apesar de fundamentalmente nuclear e
patriarcal, difere da concepção atual desta instituição em alguns conceitos,
sobretudo no papel da mulher nestas sociedades. Este aspecto se dava não só na
vida familiar e cotidiana; também se estendia às representações artísticas, já
que quando pensamos, por exemplo, em estátuas gregas, automaticamente nos vem a
mente “homens despidos que olham de frente, com as mãos ao lado e o pé esquerdo
mais à frente”¹, já que esse era o ideal de beleza e jovialidade grego. Quase
nunca pensamos em estátuas femininas, normalmente cobertas por seus leves
vestidos. Nessas duas representações acima já podemos ver como os gregos viam
nos homens, uma superioridade a ser representada com todo seu vigor.
Falaremos aqui não só da sociedade grega, mas sim da
greco-romana. As próprias fontes pesquisadas nos dizem que “os gregos estão em
Roma, são o essencial de Roma; o Império Romano é a civilização helenística nas
mãos brutais de um aparelho de Estado de origem italiana. Em Roma, a
civilização, a cultura, a literatura, a arte e a própria religião provieram
quase inteiramente dos gregos ao longo de meio milênio de aculturação”². Após a
tomada do mundo grego por Filipe de Macedônia, o Estado desenvolveu formas
próprias de governar que diferiam em muito das práticas de governo gregas,
porém no âmbito social e privado, a sociedade permaneceu grega.
Casamento
Podemos
dizer que hoje vemos o casamento como a culminação do amor de duas pessoas, que
pretendem unir-se afetivamente até o fim de suas vidas. Na sociedade grega, a
família “era a instituição fundamental, através da qual se organizava grande
parte da vida e se assegurava a continuidade”³. Sua função principal era a de
distribuição de heranças e dar continuidade a cultura familiar e social.
Interessante notar que salvo certas exceções como a famosa obra Édipo-Rei, “a família não ocupa grande
espaço na maioria da literatura grega”³.
Essencialmente patriarcal, o homem tinha liderança
absoluta no que diz respeito aos assuntos familiares, incluso na aceitação, ou
não, de filhos. Era comum o abandono de recém-nascido nas portas de casa, pois
“os recém-nascidos só vêm ao mundo, ou melhor, só são recebidos na sociedade em
virtude de uma decisão do chefe de família”², sendo o enjeitamento ou rejeição
“práticas usuais e perfeitamente legais”².
O que se vê hoje como crueldade, era na época uma
necessidade de sobrevivência. Muitas famílias abandonavam seus recém-nascidos
por falta de condições financeiras para cria-los. As famílias mais abastadas,
no entanto, também praticavam o infanticídio, já que um filho indesejado podia
“perturbar disposições testamentárias já estabelecidas”². Também era direito do
pai, em caso de já haver finalizado seu testamento, rejeitar ou deserdar de
antemão os filhos que poderia vir a ter.
O casamento era um ato privado que “nenhum poder público
deve sancionar”². Não havia, portanto, padres e/ou juízes, tampouco documentos
assinados para a comprovação de que havia sido selado um matrimônio. No caso de
que um juiz tivesse que decidir se um homem ou uma mulher deveriam receber uma
herança, se formaria um tribunal para averiguação, “ou ainda testemunhas podiam
atestar que haviam assistido a uma pequena cerimônia de evidente caráter
nupcial”³.
No Império Romano, o casamento monogâmico foi aos pouco
sendo aceito como o comportamento padrão a ser seguido, e a monogamia foi se
transformando em o “ideal greco-romano de autodomínio, de autonomia, estava
ligado à vontade de exercer também um poder sobre a vida pública (ninguém é
digno de governar se não sabe se governar); no Império, a soberania sobre si
mesmo deixa de ser uma virtude cívica e torna-se um fim em si”². Se na primeira
visão de casamento seu papel era procriar somente, na segunda visão a esposa
era uma amiga para toda a vida. Isso não significava que a mulher ascendera ao status igualitário em relação ao sexo
masculino, pois ainda cabia à mulher conhecer “sua inferioridade natural”², e
um esposo digno deveria tratar suar mulher “como um verdadeiro chefe respeita
seus auxiliares devotados, que são seus amigos inferiores”².
Amizade
e Sexualidade
Segundo
Aristóteles, “a amizade só é possível entre iguais, de tal forma que a relação
entre homem e mulher é de um grau inferior”.² A companhia entre pessoas do
menos sexo era considerado uma necessidade física e também espiritual. Na
Grécia Antiga, especialmente, o comportamento socialmente aceito era o da
bissexualidade. A heterossexualidade era malvista, pois o relacionamento entre
dois homens gregos representava o “aspecto afetivo e, em certa medida,
intelectual, da vida íntima do homem”². Esse comportamento era o aceito na
aristocracia, pois nas “classes baixa e média... embora a bissexualidade fosse
aceita em toda a sociedade, a família tendia institucionalmente a monopolizar”².
Ainda assim o patriarcalismo era o comportamento padrão, já que o adultério
ainda era definido somente no caso de “relação sexual entre uma mulher casada e
um homem que não era seu marido”.³ Uma “mulher ser infiel não constitui um
ridículo, e sim uma desgraça, nem maior nem menor do que se sua filha
engravidasse ou um de seus escravos faltasse ao dever”². No caso de adultério,
o homem era visto como um fraco, e para não se tornar mal falado na cidade “o
único meio era ser o primeiro a denunciar publicamente a má conduta dos seus”².
Apesar
da visão moderna que a antiguidade era um paraíso de orgias e festas, havia sim
certos padrões comportamentais no que diz respeito ao sexo. Reconhecia-se um
libertino “pela violação de três proibições: fazer amor antes do cair da noite;
fazer amor sem criar penumbra; fazer amor com uma parceira que ele havia
despojado de todas as vestes”², no que diz respeito às classes altas do Império
Romano. Outro ponto interessante é a visão, ainda presente nos dias de hoje,
que os homens ativos, independentes do sexo do parceiro, é que são considerados
os machos. A relação sexual visava somente o prazer da parte ativa, e “o macho
que leva a fraqueza servil a ponto de colocar a boca a serviço do prazer de uma
mulher e o homem livre que não se respeita e leva a passividade”² eram
malvistos a ponto de esses comportamentos serem considerados “infâmias
supremas”². As relações homossexuais eram bem aceitas se fossem entre um homem
mais velho livre “com um escravo ou um homem de baixa condição”², além de
meninos mais novos, o que era visto como um “pedaço menor”.²
Não
só o heterossexualismo era como condenável, como a paixão era “ainda mais
temível, pois torna um homem livre escravo de uma mulher”, e demonstrava a
falta de controle de homem livre e racional para com sua razão, e diziam que
este como havia perdido a cabeça e virado um escravo de uma mulher.
As mulheres gregas
As mulheres da Grécia, principalmente as
atenienses, eram consideradas objetos que poderiam ter suas vidas dispostas
da forma que seus tutores, ou seja, seus pais ou maridos
desejassem. Não eram consideradas cidadãs, viviam sob o domínio dos homens e cuidavam da
casa, administrando os
trabalhos domésticos e mantendo as tradições religiosas da família. Quando se
casavam, substituíam os costumes da família paterna, adotando os costumes do marido. O casamento era, por regra, era uma forma de aliança entre famílias na qual a mulher era bem de troca, tal como outras
riquezas móveis, que pertenciam
sempre a um homem. O convívio
amoroso que resultava em casamento era raro, embora pudesse ocorrer, porém o objetivo do casamento continuava sendo apenas
a preservação das famílias. Uma
vez casada, a mulher estava submetida às ordens de seu marido, que lhe dava a
tarefa de administrar o lar seguindo suas orientações; desta forma, a mulher
não tinha autonomia para resolver nada, passava seus dias reclusa em uma sala
onde podia apenas praticar suas atividades domésticas, como trabalhos manuais,
cuidar dos filhos, e outras tarefas deste porte.
A educação das meninas ficava a cargo das mulheres
mais velhas da casa: mãe, avó e criadas, com quem aprendiam a cozinhar e a tecer, e
frequentemente também um pouco de leitura, cálculo
e música, apesar de isso não lhes ser imprescindível. Havia,
no entanto, exceções a esse padrão de educação feminina na
escola dirigida por Safo, poetisa lírica,
onde moças de famílias ricas
recebiam educação, entre a infância e o casamento. Nessa
escola, que funcionava como grupo fechado, aprendia-se a dança, a música instrumental, canto e também a
tocar lira. Realizavam uma serie de festas, cerimônias
religiosas e banquetes. Praticavam também esportes atléticos. Há
vestígios dessa escola que teria existido na ilha de Lesbos,
fins do século VII aC, além de noticias de outras escolas em Pérgamo,
já na época helenística.
Xenofonte,
autor do século IV a.C., retrata a condição feminina no casamento em sua obra Econômico,
a partir da ótica de um marido, Iscomaco, que conta a Sócrates como instruiu
sua esposa para que ela pudesse cuidar dos assuntos que lhe diziam respeito,
mostrando-lhe os motivos do casamento e as tarefas do marido e da mulher:
“Eu
te escolhi e teus pais me escolheram entre outros partidos. E nós cuidaremos de
educar nossos filhos da melhor maneira possível, pois teremos a felicidade de
encontrarmos neles os defensores e nutridores da nossa velhice. Eu penso que os
deuses escolheram o casal que chamamos macho e fêmea a partir de uma reflexão,
e para o bem da comunidade. Em primeiro lugar os casais se unem para procriar;
depois, entre os humanos, os pais, quando velhos serão alimentados pelos
filhos; e como os homens não vivem ao ar livre como os
animais, precisam de abrigos. E se os homens querem ter coisas para trazer para
os seus abrigos, precisam fazer trabalhos ao ar livre, de onde se traz o que é
necessário para a vida, a agricultura e a criação de animais. E quando as
provisões chegam ao abrigo, é preciso alguém para conservá-las. Há outros
trabalhos que só podem ser feitos em lugares fechados: cozinhar, tecer e educar
as crianças. Ora, como essas duas funções, do interior e do exterior, exigem
atividade e cuidado, os deuses tornaram a natureza da mulher própria aos
trabalhos do interior, e a do homem própria para os trabalhos do exterior. Será
necessário que fique na casa, que mande sair o grupo de empregados que tenha o
que fazer fora, que supervisione o trabalho daqueles que ficam na casa, que
receba as provisões que trouxerem, distribuindo as que precisarem ser
consumidas e guardando as outras, cuidando para não gastar as reservas do ano
em um mês. Quando trouxerem a lã, deverá cuidar para que teçam roupas para
aqueles que precisam. Deverá também cuidar da conservação dos alimentos
armazenados. Uma de suas ocupações, e da qual talvez não goste, será tratar dos
empregados que adoecerem.”6
Mesmo
levando uma vida tão submissa não encontramos relatos de insubordinação, no que
podemos concluir que o comportamento feminino, em vias gerais, era a
resignação. Dentro deste contexto, encontramos casos de mulheres que tinham
autorização de seus maridos para saírem de casa. Porém, era apenas nos casos
das famílias menos favorecidas economicamente, que por extrema necessidade
tinham que provir o sustento da família, como o exemplo a mulher de um pescador, que poderia vender o peixe que seu marido pescava. As diferenças entre as classes sociais alteravam, modificando
alguns hábitos, não tornando a vida dessas mulheres mais dignas. Elas eram
desprovidas do direito à cidadania dentro de sua civilização. Suportavam
o desprezo dos seus maridos que as utilizavam apenas para fins de procriação, não havendo uma
relação afetuosa entre o casal. À mulher cabia a função de gerar filhos para
dar continuidade ao patrimônio, e fariam a
manutenção do culto doméstico, protegeriam os pais na velhice e dando continuidade
à ordem cívica e ao equilíbrio entre o espaço público e espaço privado, fatores
essenciais para a manutenção da sociedade grega.
Conclusão
Com todos os dados coletados, podemos realmente concluir
que, além da reprodução, havia pouco, ou nenhum, espaço para a mulher
greco-romana em outros aspectos da sociedade. Desde pequenas eram criadas para
cuidarem da casa, com “brinquedos que se referiam à vida que teriam como
adultas”4. Enquanto os meninos, em especial em Esparta, eram
treinados desde muito jovens às atividades militares e exercícios físicos, as
mulheres se casavam já em idade muito jovem, logo após atingirem a puberdade. Algumas
“garotas de famílias com mais recursos podiam aprender também a tocar e dançar”4.
Para os gregos, o homem era o genuíno reprodutor da espécie humana, já que
“acreditavam que o sêmen encontrava na mulher apenas um terreno para que uma
criança fosse produzida”4. No caso de que um casal fosse incapaz de
conceber um herdeiro, a culpa recaía automaticamente na mulher, que era
considerada mal reprodutora e “por esse raciocínio, o marido podia divorciar-se
justificadamente”4. Por conta da precariedade da época, muitas
mulheres faleciam durante o trabalho de parto, e o marido tinha o direito de
casar-se com novas esposas, sempre com o objetivo de gerar novos herdeiros e
garantir sua linhagem. O pai era responsável pela educação dos filhos, salvo no
caso de orfandade, em que a mulher, morto o seu esposo, poderia ser responsável
pelas crianças, porém “sob os cuidados de um homem da família que atuava como
tutor”4.
Bibliografia
1. CARTLEDGE, Paul. História Ilustrada. Grécia Antiga. 2ª Ed.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2009. pp 366-376
2.
VEYNE, Paul. História da Vida Privada. Vol.1
São Paulo: Companhia das Letras, 1989. pp 11 - 184
3.
FINLEY, M.I. Os Gregos Antigos.
Lisboa: Edições 70, 1963. pp 101 - 128 (e imagens)
4.
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. 5ª Ed.
São
Paulo: Contexto, 2011. pp 42 - 47
5.
GOMBRICH,
E.H. Story of Art. Pocket
Edition
London:
Phaidon Press Limited, 2010. (imagens)
6. XENOFONTE. Econômico. VII, 4-39, pp. 364-369.
7. THEML, Neyde. O Público e o Privado na Grécia do VIIIº ao IVº século a.C: o Modelo
Ateniense. Rio de
Janeiro. Sette Letras, 1998, p. 88.