quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Desmundo - Relação entre o filme e os textos lidos durante o primeiro semestre do curso de História do Brasil


O filme Desmundo conta a história de Oribela, uma jovem órfã vinda de Portugal ao Brasil recém-descoberto, por volta de 1570. Chegando à América Portuguesa, Oribela enfrenta várias situações e passa por diversos problemas, que apesar do caráter fictício da obra, suas desventuras podem ser comprovadas historicamente através dos vários textos que tivemos a oportunidade de ler nesse primeiro semestre do curso de História do Brasil I. Apresentaremos uma relação entre filme e textos, separando-os tematicamente de acordo com o nome dos trabalhos lidos.

Mulheres Educadas na Colônia

Neste texto, Arilda Ribeiro nos faz um apanhado geral da situação feminina no Brasil Colônia, e pela temática do filme, é um dos textos que mais podemos recordar ao assisti-lo.

Logo nas primeiras cenas do filme, podemos ouvir a narração de uma carta do padre endereçada à Metrópole, na qual fala da falta das mulheres nas terras do Brasil, e pede ao Rei de Portugal que enviem quaisquer mulheres, para poder apartar os homens do pecado. Isso pode ser comprovado historicamente pelas palavras da autora, que diz que “com o aumento da população de mestiços (...), os jesuítas e a metrópole preocuparam-se em importar para o Brasil levas de mulheres brancas com o intuito de reprodução e fixação do padrão étnico europeu / branco”, e ainda destaca que não tinha “importância se na metrópole fossem órfãs, ladras, prostitutas, alcoólatras, mentalmente incapacitadas”, pois o importante era a “perpetuação do domínio europeu”.

Logo após a chegada, as meninas são levadas a banhar-se e duas delas conversam sobre a falta de mulheres na colônia, e sobre a impossibilidade de ter filhos nas terras brasileiras por conta disso. Uma delas, a mais nova, afirma então que os homens podiam parir seus os filhos pelo sovaco, se essa fosse à vontade de Deus. Isso demonstra que, além de não receber educação escolar de nenhum tipo, “as mulheres brancas, na sua maioria, também eram sexualmente ignorantes”.

Mais adiante, há uma cena de casamento entre os colonos aqui estabelecidos, e as órfãs recém-chegadas. Uma das coisas que podemos comprovar logo de cara é a diferença de idade das meninas e desses colonos, pois “a mulher branca colonial (...) casava-se muito cedo” já que “com 11 ou 12 anos, as meninas estavam prontas para o casamento com homens de 40 ou 50 anos”. O casamento então era um acordo e visava unicamente à reprodução, não havendo nenhum tipo de “laços afetivos, mas sim contratos econômicos”.

Oribela e Francisco de Albuquerque se casam, e não se conhecem. Mal chegando a casa, Francisco toma Oribela sem cerimônia, para realizar um ato sexual simplesmente porque ele é “seu marido”. Mais adiante, Francisco violenta e estupra Oribela por haver encostado seu dedo no dedo do comerciante Ximeno Dias, mostrando seu ciúme e seu direito de marido de mandar na sua esposa. Sobre esse tema, a autora nos diz que “as relações sexuais entre os portugueses, muitas vezes, eram verdadeiros estupros”, pois visavam única e exclusivamente a “reprodução dos filhos de Deus”, e o único que poderia disfrutar de algum prazer sexual era o senhor patriarcal, e esse prazer na maioria das vezes ficava a cargo das “escravas que, além de servi-lo nas tarefas da casa, deveriam satisfazê-lo na cama”. Isso nos é mostrado, muito que superficialmente no filme, quando dois portugueses que atendem à cerimônia de casamento conversam entre si, e um diz que “mais gosta das selvagens”.

Por volta dos trinta e oito minutos de filme, Oribela tenta fugir de Francisco após o estupro. Consegue chegar à praia e implora que a levem de volta ao Reino, e quase que acaba sendo estuprada de novo, até que Francisco a encontra e a carrega de volta à sua casa. Anteriormente, antes mesmo de se casar, Oribela já havia implorado que lhe enviassem a um convento. Isso nos mostra como os conventos eram verdadeiros asilos para as mulheres que rechaçavam o casamento com os colonos, e como elas “eram internadas sem nenhuma vocação definida, e com pouca idade”.

O Semeador e o Ladrilhador

Neste texto de Sérgio Buarque de Holanda, é feita uma análise das diferenças entre a colonização portuguesa e espanhola na América, com especial ênfase aos erros cometidos pelos primeiros no processo de colonizar seus domínios americanos. Apesar do filme se passar logo no início desse processo, podemos ver alguns desses equívocos portugueses, que cuidaram “menos em construir, planejar ou plantar alicerces, do que em feitorizar uma riqueza fácil e quase ao alcance da mão”, já que “a colônia é simples lugar de passagem”.

Em vários momentos do filme, em especial nas tomadas vistas de cima, vemos casas dispostas de forma aleatória, sem nenhum planejamento. Um exemplo bem claro no filme é quando, por volta de uma hora e sete minutos, Oribela chega a vila aonde mora Ximeno Dias. Aqui fica bem claro o caráter desordenado das construções portuguesas e da falta de planejamento e infraestrutura. Sérgio Buarque aponta que na Bahia, “o maior centro urbano da colônia, um viajante do princípio do século XVIII notava que as casas se achavam dispostas segundo o capricho dos moradores. Tudo ali era irregular, de modo que a praça principal, onde se erguia o Palácio dos Vice-Reis, parecia estar só por acaso no seu lugar”.

No caso da colonização espanhola, os castelhanos foram mais ordenados, buscavam a “criação de núcleos de povoação estáveis e bem ordenados”. Havia um planejamento para que as ruas tivessem o “acento voluntário da linha reta”, enquanto que o “traçado geométrico jamais pôde alcançar, entre nós, a importância que veio a ter em terras da Coroa de Castela”. Outro inconveniente a ser superado pelos espanhóis era do clima, já que estes procuravam lugares nos quais o clima não oferecesse, “em geral, grandes incômodos”. No caso português, dado ao caráter passageiro de sua estada aqui, pouco importava buscar um clima que fosse semelhante ao europeu. Podemos comprovar isso no filme quando ouvimos que “dona Oribela anda mal pela temperatura”, ou ainda quando Ximenes Dias reclama da umidade de nossas terras, que arruínam seu juízo.

Outra preocupação castelhana, era a de concentrar seus grandes centros longe das regiões litorâneas, “preferindo as terras do interior e os planaltos”. Já aos portugueses, “não importava muito aos colonizadores povoar e conhecer mais do que as terras da marinha, por onde a comunicação com o Reino fosse mais fácil”. Vemos esse apego português ao litoral aos vinte e um minutos do filme, quando Oribela, logo após seu casamento, segue a caminho da casa de Francisco de Albuquerque e reclama que já não consegue mais ver o mar. Esse caráter marítimo de colonização seguiu por todo o período de dominação portuguesa.

Ouvir, ver, ouvir dizer: relatos franceses sobre o Brasil

Neste texto de Lília M. Schwarez, a autora descreve os diversos relatos de franceses que estiveram presentes, ainda que clandestinamente, nas terras brasileiras, e com seus relatos sobre o que viam aqui enfureciam a Coroa portuguesa, dada a sua política do sigilo, de descobrir terras e procurar, ao máximo, não divulgar nem seus descobrimentos, tampouco o que havia sido descoberto. Muitos desses relatos envolvem, sobretudo, os conflitos e diferenças culturais entre os europeus e os indígenas, em especial a extinta tribo dos Tupinambá, e seus inimigos, os Tupi-guarani.

Apesar de não vermos nenhum francês ao longo do filme, sua presença nos domínios portugueses pode ser comprovada quando, por volta dos dez minutos, há um embate entre os brancos e os Tupinambá, que haviam aprisionado alguns europeus que pretendiam controlar e cristianizar os índios, sendo que os últimos preferiam seguir com suas tradições. O chefe dos portugueses pede para ver os prisioneiros levados pelos índios, e promete devolvê-los caso sejam franceses.

Durante a cerimônia de casamento, o padre faz um sermão no qual prega para que os noivos não vivam como os “negros da terra”, em pecado constante. Isso porque para os portugueses, os nativos viviam “sem fé alguma” o que conformaria uma “anti-humanidade”. Schwarez ainda cita a teoria do povo sem fé, lei e rei, pela ausência dos fonemas F, L e R na língua dos índios brasileiros e como a “falta de fé, práticas de canibalismo e da poligamia serviam para iluminar a certeza da ausência de regras entre esses povos”. Um momento interessante do filme é quando uma índia fala em sua língua nativa com Oribela e chama Francisco de “Pancisco”.

Sobre o canibalismo, há uma cena na qual Ximeno Dias mostra seu descontentamento sobre o comércio, em especial a troca de escravos, com os índios, reclamando que “não anda fácil tratar com eles (os índios)”, pois “querem comê-los, não vendê-los”.

Sentido da Colonização

Aqui, Caio Prado Júnior faz uma análise dos fatores que levaram à expansão e definição das fronteiras brasileiras. Um dos principais fatores apontados pelo o autor é a pecuária de subsistência, a qual “se deve a ocupação de boa parte do território da colônia”, e que apesar de pouco presente no filme, pode ser vista na conversa de Francisco de Albuquerque e sua mãe, quando esta lhe pergunta sobre o dote do casamento e ele responde que consiste em “dos vacas”. Por conta disso, Francisco aparece durante a maior parte do filme usando um colete, botas e cinto de couro.

Formas provisórias de existência

Dado ao caráter passageiro da estada dos colonos no Brasil, e a precariedade geral das condições da colônia devido à falta de planejamento e infraestrutura da Metrópole, os portugueses e seus descendentes criaram formas originais de adaptação, o que acarretou em uma série de hábitos gerados da mescla da cultura europeia com a cultura indígena. A autora Laura de Mello e Souza nos aponta alguns dos “hábitos cotidianos desenvolvidos pelos sertanistas de Piratininga” que “num primeiro momento, distanciam-se dos trazidos da mãe-pátria europeia, e adotam os próprios às populações indígenas da região” e “em seguida, começam a desenvolver hábitos compósitos”.

Um desses hábitos é a preferência de Francisco por dormir em redes, “a cama mais pronta e mais portátil que havia”. A mescla com a cultura indígena se pode ver em uma cena na qual uma índia remove folhas dos pés de Oribela, que haviam sido machucados pela caminhada a pés descalços desde a praia, demostrando o uso indígena das plantas medicinais a ser incorporado pelos sertanistas, pois “quando os entrantes adoeciam, o próprio meio natural lhes fornecia o remédio”.

Escravidão negra em debate

Suely Robles Reis de Queiróz faz aqui uma análise dos diversos estudos e visões sobre a questão escravista no Brasil, desde Gilberto Freyre que salientava a “doçura nas relações de senhores com escravos domésticos”, até autores que apontavam que havia “castigos diários rotineiros”, até outros que afirmam que existia, em realidade, uma atitude de “acomodação e ajustamento”.

Com exceção do escravo de Ximeno Dias, não vemos nenhum escravo negro no filme, apenas escravos indígenas. Porém, podemos traçar um paralelo com o comportamento de Oribela ao longo do filme, que procura ter uma maior mobilidade dentro de seu ambiente, e assim amenizar os castigos que poderia vir a sofrer. Um exemplo é como Oribela se oferece sexualmente para Francisco, como perdão por sua fuga e medo de voltar a ser acorrentada. A tática funciona, pois após esta cena, Oribela ganha um baú com roupas, além de ganhar também a permissão para andar pela propriedade de Francisco.

domingo, 23 de setembro de 2012

Família, Sexualidade e papel da mulher nas sociedades greco-romanas



Introdução

Dificilmente se fala destes três temas em separado, pois não há realmente como tratá-los individualmente. A família greco-romana, apesar de fundamentalmente nuclear e patriarcal, difere da concepção atual desta instituição em alguns conceitos, sobretudo no papel da mulher nestas sociedades. Este aspecto se dava não só na vida familiar e cotidiana; também se estendia às representações artísticas, já que quando pensamos, por exemplo, em estátuas gregas, automaticamente nos vem a mente “homens despidos que olham de frente, com as mãos ao lado e o pé esquerdo mais à frente”¹, já que esse era o ideal de beleza e jovialidade grego. Quase nunca pensamos em estátuas femininas, normalmente cobertas por seus leves vestidos. Nessas duas representações acima já podemos ver como os gregos viam nos homens, uma superioridade a ser representada com todo seu vigor.
            Falaremos aqui não só da sociedade grega, mas sim da greco-romana. As próprias fontes pesquisadas nos dizem que “os gregos estão em Roma, são o essencial de Roma; o Império Romano é a civilização helenística nas mãos brutais de um aparelho de Estado de origem italiana. Em Roma, a civilização, a cultura, a literatura, a arte e a própria religião provieram quase inteiramente dos gregos ao longo de meio milênio de aculturação”². Após a tomada do mundo grego por Filipe de Macedônia, o Estado desenvolveu formas próprias de governar que diferiam em muito das práticas de governo gregas, porém no âmbito social e privado, a sociedade permaneceu grega.

Casamento

Podemos dizer que hoje vemos o casamento como a culminação do amor de duas pessoas, que pretendem unir-se afetivamente até o fim de suas vidas. Na sociedade grega, a família “era a instituição fundamental, através da qual se organizava grande parte da vida e se assegurava a continuidade”³. Sua função principal era a de distribuição de heranças e dar continuidade a cultura familiar e social. Interessante notar que salvo certas exceções como a famosa obra Édipo-Rei, “a família não ocupa grande espaço na maioria da literatura grega”³.
            Essencialmente patriarcal, o homem tinha liderança absoluta no que diz respeito aos assuntos familiares, incluso na aceitação, ou não, de filhos. Era comum o abandono de recém-nascido nas portas de casa, pois “os recém-nascidos só vêm ao mundo, ou melhor, só são recebidos na sociedade em virtude de uma decisão do chefe de família”², sendo o enjeitamento ou rejeição “práticas usuais e perfeitamente legais”².
            O que se vê hoje como crueldade, era na época uma necessidade de sobrevivência. Muitas famílias abandonavam seus recém-nascidos por falta de condições financeiras para cria-los. As famílias mais abastadas, no entanto, também praticavam o infanticídio, já que um filho indesejado podia “perturbar disposições testamentárias já estabelecidas”². Também era direito do pai, em caso de já haver finalizado seu testamento, rejeitar ou deserdar de antemão os filhos que poderia vir a ter.
            O casamento era um ato privado que “nenhum poder público deve sancionar”². Não havia, portanto, padres e/ou juízes, tampouco documentos assinados para a comprovação de que havia sido selado um matrimônio. No caso de que um juiz tivesse que decidir se um homem ou uma mulher deveriam receber uma herança, se formaria um tribunal para averiguação, “ou ainda testemunhas podiam atestar que haviam assistido a uma pequena cerimônia de evidente caráter nupcial”³.
            No Império Romano, o casamento monogâmico foi aos pouco sendo aceito como o comportamento padrão a ser seguido, e a monogamia foi se transformando em o “ideal greco-romano de autodomínio, de autonomia, estava ligado à vontade de exercer também um poder sobre a vida pública (ninguém é digno de governar se não sabe se governar); no Império, a soberania sobre si mesmo deixa de ser uma virtude cívica e torna-se um fim em si”². Se na primeira visão de casamento seu papel era procriar somente, na segunda visão a esposa era uma amiga para toda a vida. Isso não significava que a mulher ascendera ao status igualitário em relação ao sexo masculino, pois ainda cabia à mulher conhecer “sua inferioridade natural”², e um esposo digno deveria tratar suar mulher “como um verdadeiro chefe respeita seus auxiliares devotados, que são seus amigos inferiores”².

Amizade e Sexualidade

            Segundo Aristóteles, “a amizade só é possível entre iguais, de tal forma que a relação entre homem e mulher é de um grau inferior”.² A companhia entre pessoas do menos sexo era considerado uma necessidade física e também espiritual. Na Grécia Antiga, especialmente, o comportamento socialmente aceito era o da bissexualidade. A heterossexualidade era malvista, pois o relacionamento entre dois homens gregos representava o “aspecto afetivo e, em certa medida, intelectual, da vida íntima do homem”². Esse comportamento era o aceito na aristocracia, pois nas “classes baixa e média... embora a bissexualidade fosse aceita em toda a sociedade, a família tendia institucionalmente a monopolizar”². Ainda assim o patriarcalismo era o comportamento padrão, já que o adultério ainda era definido somente no caso de “relação sexual entre uma mulher casada e um homem que não era seu marido”.³ Uma “mulher ser infiel não constitui um ridículo, e sim uma desgraça, nem maior nem menor do que se sua filha engravidasse ou um de seus escravos faltasse ao dever”². No caso de adultério, o homem era visto como um fraco, e para não se tornar mal falado na cidade “o único meio era ser o primeiro a denunciar publicamente a má conduta dos seus”².
Apesar da visão moderna que a antiguidade era um paraíso de orgias e festas, havia sim certos padrões comportamentais no que diz respeito ao sexo. Reconhecia-se um libertino “pela violação de três proibições: fazer amor antes do cair da noite; fazer amor sem criar penumbra; fazer amor com uma parceira que ele havia despojado de todas as vestes”², no que diz respeito às classes altas do Império Romano. Outro ponto interessante é a visão, ainda presente nos dias de hoje, que os homens ativos, independentes do sexo do parceiro, é que são considerados os machos. A relação sexual visava somente o prazer da parte ativa, e “o macho que leva a fraqueza servil a ponto de colocar a boca a serviço do prazer de uma mulher e o homem livre que não se respeita e leva a passividade”² eram malvistos a ponto de esses comportamentos serem considerados “infâmias supremas”². As relações homossexuais eram bem aceitas se fossem entre um homem mais velho livre “com um escravo ou um homem de baixa condição”², além de meninos mais novos, o que era visto como um “pedaço menor”.²
Não só o heterossexualismo era como condenável, como a paixão era “ainda mais temível, pois torna um homem livre escravo de uma mulher”, e demonstrava a falta de controle de homem livre e racional para com sua razão, e diziam que este como havia perdido a cabeça e virado um escravo de uma mulher.

As mulheres gregas

As mulheres da Grécia, principalmente as atenienses, eram consideradas objetos que poderiam ter suas vidas dispostas da forma que seus tutores, ou seja, seus pais ou maridos desejassem. Não eram consideradas cidadãs, viviam sob o domínio dos homens e cuidavam da casa, administrando os trabalhos domésticos e mantendo as tradições religiosas da família. Quando se casavam, substituíam os costumes da família paterna, adotando os costumes do marido. O casamento era, por regra, era uma forma de aliança entre famílias na qual a mulher era bem de troca, tal como outras riquezas móveis, que pertenciam sempre a um homem. O convívio amoroso que resultava em casamento era raro, embora pudesse ocorrer, porém o objetivo do casamento continuava sendo apenas a preservação das famílias. Uma vez casada, a mulher estava submetida às ordens de seu marido, que lhe dava a tarefa de administrar o lar seguindo suas orientações; desta forma, a mulher não tinha autonomia para resolver nada, passava seus dias reclusa em uma sala onde podia apenas praticar suas atividades domésticas, como trabalhos manuais, cuidar dos filhos, e outras tarefas deste porte.
A educação das meninas ficava a cargo das mulheres mais velhas da casa: mãe, avó e criadas, com quem aprendiam a cozinhar e a tecer, e frequentemente também um pouco de leitura, cálculo e música, apesar de isso não lhes ser imprescindível. Havia, no entanto, exceções a esse padrão de educação feminina na escola dirigida por Safo, poetisa lírica, onde moças de famílias ricas recebiam educação, entre a infância e o casamento. Nessa escola, que funcionava como grupo fechado, aprendia-se a dança, a música instrumental, canto e também a tocar lira. Realizavam uma serie de festas, cerimônias religiosas e banquetes. Praticavam também esportes atléticos. vestígios dessa escola que teria existido na ilha de Lesbos, fins do século VII aC, além de noticias de outras escolas em Pérgamo, já na época helenística.
Xenofonte, autor do século IV a.C., retrata a condição feminina no casamento em sua obra Econômico, a partir da ótica de um marido, Iscomaco, que conta a Sócrates como instruiu sua esposa para que ela pudesse cuidar dos assuntos que lhe diziam respeito, mostrando-lhe os motivos do casamento e as tarefas do marido e da mulher:
Eu te escolhi e teus pais me escolheram entre outros partidos. E nós cuidaremos de educar nossos filhos da melhor maneira possível, pois teremos a felicidade de encontrarmos neles os defensores e nutridores da nossa velhice. Eu penso que os deuses escolheram o casal que chamamos macho e fêmea a partir de uma reflexão, e para o bem da comunidade. Em primeiro lugar os casais se unem para procriar; depois, entre os humanos, os pais, quando velhos serão alimentados pelos filhos; e como os homens não vivem ao ar livre como os animais, precisam de abrigos. E se os homens querem ter coisas para trazer para os seus abrigos, precisam fazer trabalhos ao ar livre, de onde se traz o que é necessário para a vida, a agricultura e a criação de animais. E quando as provisões chegam ao abrigo, é preciso alguém para conservá-las. Há outros trabalhos que só podem ser feitos em lugares fechados: cozinhar, tecer e educar as crianças. Ora, como essas duas funções, do interior e do exterior, exigem atividade e cuidado, os deuses tornaram a natureza da mulher própria aos trabalhos do interior, e a do homem própria para os trabalhos do exterior. Será necessário que fique na casa, que mande sair o grupo de empregados que tenha o que fazer fora, que supervisione o trabalho daqueles que ficam na casa, que receba as provisões que trouxerem, distribuindo as que precisarem ser consumidas e guardando as outras, cuidando para não gastar as reservas do ano em um mês. Quando trouxerem a lã, deverá cuidar para que teçam roupas para aqueles que precisam. Deverá também cuidar da conservação dos alimentos armazenados. Uma de suas ocupações, e da qual talvez não goste, será tratar dos empregados que adoecerem.”6
Mesmo levando uma vida tão submissa não encontramos relatos de insubordinação, no que podemos concluir que o comportamento feminino, em vias gerais, era a resignação. Dentro deste contexto, encontramos casos de mulheres que tinham autorização de seus maridos para saírem de casa. Porém, era apenas nos casos das famílias menos favorecidas economicamente, que por extrema necessidade tinham que provir o sustento da família, como o exemplo a mulher de um pescador, que poderia vender o peixe que seu marido pescava. As diferenças entre as classes sociais alteravam, modificando alguns hábitos, não tornando a vida dessas mulheres mais dignas. Elas eram desprovidas do direito à cidadania dentro de sua civilização. Suportavam o desprezo dos seus maridos que as utilizavam apenas para fins de procriação, não havendo uma relação afetuosa entre o casal. À mulher cabia a função de gerar filhos para dar continuidade ao patrimônio, e fariam a manutenção do culto doméstico, protegeriam os pais na velhice e dando continuidade à ordem cívica e ao equilíbrio entre o espaço público e espaço privado, fatores essenciais para a manutenção da sociedade grega.

Conclusão
          
         Com todos os dados coletados, podemos realmente concluir que, além da reprodução, havia pouco, ou nenhum, espaço para a mulher greco-romana em outros aspectos da sociedade. Desde pequenas eram criadas para cuidarem da casa, com “brinquedos que se referiam à vida que teriam como adultas”4. Enquanto os meninos, em especial em Esparta, eram treinados desde muito jovens às atividades militares e exercícios físicos, as mulheres se casavam já em idade muito jovem, logo após atingirem a puberdade. Algumas “garotas de famílias com mais recursos podiam aprender também a tocar e dançar”4. Para os gregos, o homem era o genuíno reprodutor da espécie humana, já que “acreditavam que o sêmen encontrava na mulher apenas um terreno para que uma criança fosse produzida”4. No caso de que um casal fosse incapaz de conceber um herdeiro, a culpa recaía automaticamente na mulher, que era considerada mal reprodutora e “por esse raciocínio, o marido podia divorciar-se justificadamente”4. Por conta da precariedade da época, muitas mulheres faleciam durante o trabalho de parto, e o marido tinha o direito de casar-se com novas esposas, sempre com o objetivo de gerar novos herdeiros e garantir sua linhagem. O pai era responsável pela educação dos filhos, salvo no caso de orfandade, em que a mulher, morto o seu esposo, poderia ser responsável pelas crianças, porém “sob os cuidados de um homem da família que atuava como tutor”4.

Bibliografia

1.      CARTLEDGE, Paul. História Ilustrada. Grécia Antiga. 2ª Ed.
            Rio de Janeiro: Ediouro, 2009. pp 366-376

2.      VEYNE, Paul. História da Vida Privada. Vol.1
            São Paulo: Companhia das Letras, 1989. pp 11 - 184

3.      FINLEY, M.I. Os Gregos Antigos.
            Lisboa: Edições 70, 1963. pp 101 - 128 (e imagens)

4.      FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. 5ª Ed.
            São Paulo: Contexto, 2011. pp 42 - 47

5.      GOMBRICH, E.H. Story of Art. Pocket Edition
            London: Phaidon Press Limited, 2010. (imagens)

6.      XENOFONTE. Econômico. VII, 4-39, pp. 364-369.

7.      THEML, Neyde. O Público e o Privado na Grécia do VIIIº ao IVº século a.C: o Modelo Ateniense. Rio de Janeiro. Sette Letras, 1998, p. 88. 

domingo, 9 de setembro de 2012

O Semeador e o Ladrilhador

Traballho feito no primeiro semestre sobre o capítulo "O Semeador e o Ladrilhador", do clássico "Raizes do Brasil" de Sérgio Buarque de Holanda, onde se compara as colonizações portuguesa e espanhola.

Diferenças entre o modo de colonização português e espanhol
Portugueses
Espanhóis

- Reino unificado e forte há muitos anos, não precisavam se preocupar com disputas internas de poder.

- Após o fracasso intento das Capitanias Hereditárias, Portugal instituiu um Governo Geral, sendo este governador responsável por todas as terras. A ausência de uma presença forte da Coroa portuguesa fazia que os pequenos governantes locais, os senhores de engenho, tivessem mais poder e autoridade sobre suas terras que o próprio Rei.

- A América Portuguesa para a Coroa não era mais do que terras a serem exploradas comercialmente em proveito financeiro desta.

- Preferência em fundar vilas no litoral, para facilitar a comunicação com a Metrópole. Pouco se importavam com a geografia e o clima, pois os habitantes destas vinham quase sempre en passant, ou seja, só pretendiam ficar tempo o suficiente para estabelecer uma fortuna e voltar a Portugal.

- A politica de exploração comercial não fomentava uma prática agrária e pecuária além do suficiente para a subsistência, pois não interessava para Portugal o desenvolvimento econômico da Colônia.

- Falta de planejamento urbano, o que acarretava a criação de ruas sinuosas, e casas construídas sem nenhum padrão. Somente com a descoberta do ouro na região de Minas Gerais é que algum planejamento prévio é feito antes das construções das cidades.


- Negros africanos como base da mão-de-obra.

- Não havia incentivo à educação escolar, sendo que as primeiras faculdades só surgiriam no Brasil, de uma maneira geral, no século XIX. 

- O fato de serem cidadãos “não-reinóis” não desenvolveu nos filhos dos portugueses um sentimento de nacionalismo e apego ao local de nascimento, pois se dizia de onde era com uma negação. No entanto, a América Portuguesa conseguiu manter uma unidade após sua independência.


- Reino recentemente unificado, e que ainda enfrentava problemas internos de disputas territoriais e constante ameaça de ruptura.

- O receio de constante ruptura causou uma forte presença do governo espanhol, ratificado pela divisão de suas terras em capitanias e vice-reinos, e seus respectivos governantes respondiam diretamente ao rei da Espanha.

- A América Espanhola era uma extensão do Reino de Castela, que deveria ser conquistada e povoada.

- Buscavam fundar suas cidades em sítios interioranos, em locais planos, com clima semelhante ao europeu, e com condições idôneas para o crescimento da polução imigrante, pois os que vinham da Europa para as Índias Ocidentais tinham a intenção de estabelecer-se lá. Os portos eram localizados em lugares estratégicos, e com esta medida evitavam assim ataques corsários e de contrabandistas.

- Caráter agrícola de colonização, além do incentivo a produção de manufaturas dos mais diversos tipos.

- Planejamento urbano estipulado por várias leis. As cidades deveriam ser construídas em lugares planos, interioranos e altos. Primeiro se construía a praça principal – “La Plaza Mayor” – e a partir daí se traçavam retas que se tornariam as ruas. Os locais para os principais estabelecimentos comerciais e administrativos já eram pré-estabelecido assim como a largura destas ruas, que todas levavam a praça principal, praça esta proporcional ao tamanho de habitantes da cidade, obedeceria a regras de acordo com o clima local.

- Nativos americanos como base da mão-de-obra.

- Construção de diversas faculdades desde o princípio da colonização.

- Os filhos de espanhóis nascidos na América Espanhola – los criollos -  desenvolveram um forte sentimento de patriotismo e apego a suas terras, que alimentou os movimentos de independência destas. Porém, uma vez livres do domínio espanhol, se fragmentaram em vários países diferentes.


            “A ordem que (Portugal) aceita não é a que compõem os homens com trabalho, mas a que fazem com desleixo e certa liberdade; a ordem do semeador, não a do ladrilhador.”
Sérgio Buarque de Holanda.

            Com esta frase, Sérgio Buarque de Holanda faz uma metáfora sobre as diferenças entre o “desleixo” português, e a meticulosidade espanhola. Comparando os portugueses com semeadores, que jogam suas sementes sem planejamento algum, esperando que caíam, germinem e deem os frutos o quanto antes. Os frutos esperados pelos portugueses em geral já estavam plantados, no caso do pau-brasil, ou se plantava de maneira desordenada como a cana de açúcar.
            Os espanhóis em contrapartida agiam como um ladrilhador, que antes de construir uma casa faz uma planta, calcula, planeja cada passo, pensando em cada etapa da construção, sendo esta construção sua colonização americana, pois pensavam em estabelecer-se no continente, querendo assim que sua nova morada tivesse fortes alicerces para se resistir de pé em um futuro em longo prazo.