O
filme Desmundo conta a história de Oribela, uma jovem órfã vinda de Portugal ao
Brasil recém-descoberto, por volta de 1570. Chegando à América Portuguesa,
Oribela enfrenta várias situações e passa por diversos problemas, que apesar do
caráter fictício da obra, suas desventuras podem ser comprovadas historicamente
através dos vários textos que tivemos a oportunidade de ler nesse primeiro semestre
do curso de História do Brasil I. Apresentaremos uma relação entre filme e
textos, separando-os tematicamente de acordo com o nome dos trabalhos lidos.
Mulheres Educadas na Colônia
Neste
texto, Arilda Ribeiro nos faz um apanhado geral da situação feminina no Brasil
Colônia, e pela temática do filme, é um dos textos que mais podemos recordar ao
assisti-lo.
Logo
nas primeiras cenas do filme, podemos ouvir a narração de uma carta do padre
endereçada à Metrópole, na qual fala da falta das mulheres nas terras do
Brasil, e pede ao Rei de Portugal que enviem quaisquer mulheres, para poder
apartar os homens do pecado. Isso pode ser comprovado historicamente pelas
palavras da autora, que diz que “com o aumento da população de mestiços (...),
os jesuítas e a metrópole preocuparam-se em importar para o Brasil levas de
mulheres brancas com o intuito de reprodução e fixação do padrão étnico europeu
/ branco”, e ainda destaca que não tinha “importância se na metrópole fossem
órfãs, ladras, prostitutas, alcoólatras, mentalmente incapacitadas”, pois o
importante era a “perpetuação do domínio europeu”.
Logo
após a chegada, as meninas são levadas a banhar-se e duas delas conversam sobre
a falta de mulheres na colônia, e sobre a impossibilidade de ter filhos nas
terras brasileiras por conta disso. Uma delas, a mais nova, afirma então que os
homens podiam parir seus os filhos pelo sovaco, se essa fosse à vontade de
Deus. Isso demonstra que, além de não receber educação escolar de nenhum tipo,
“as mulheres brancas, na sua maioria, também eram sexualmente ignorantes”.
Mais
adiante, há uma cena de casamento entre os colonos aqui estabelecidos, e as
órfãs recém-chegadas. Uma das coisas que podemos comprovar logo de cara é a
diferença de idade das meninas e desses colonos, pois “a mulher branca colonial
(...) casava-se muito cedo” já que “com 11 ou 12 anos, as meninas estavam
prontas para o casamento com homens de 40 ou 50 anos”. O casamento então era um
acordo e visava unicamente à reprodução, não havendo nenhum tipo de “laços
afetivos, mas sim contratos econômicos”.
Oribela
e Francisco de Albuquerque se casam, e não se conhecem. Mal chegando a casa,
Francisco toma Oribela sem cerimônia, para realizar um ato sexual simplesmente
porque ele é “seu marido”. Mais adiante, Francisco violenta e estupra Oribela
por haver encostado seu dedo no dedo do comerciante Ximeno Dias, mostrando seu
ciúme e seu direito de marido de mandar na sua esposa. Sobre esse tema, a
autora nos diz que “as relações sexuais entre os portugueses, muitas vezes,
eram verdadeiros estupros”, pois visavam única e exclusivamente a “reprodução
dos filhos de Deus”, e o único que poderia disfrutar de algum prazer sexual era
o senhor patriarcal, e esse prazer na maioria das vezes ficava a cargo das
“escravas que, além de servi-lo nas tarefas da casa, deveriam satisfazê-lo na
cama”. Isso nos é mostrado, muito que superficialmente no filme, quando dois
portugueses que atendem à cerimônia de casamento conversam entre si, e um diz
que “mais gosta das selvagens”.
Por
volta dos trinta e oito minutos de filme, Oribela tenta fugir de Francisco após
o estupro. Consegue chegar à praia e implora que a levem de volta ao Reino, e
quase que acaba sendo estuprada de novo, até que Francisco a encontra e a carrega
de volta à sua casa. Anteriormente, antes mesmo de se casar, Oribela já havia
implorado que lhe enviassem a um convento. Isso nos mostra como os conventos
eram verdadeiros asilos para as mulheres que rechaçavam o casamento com os
colonos, e como elas “eram internadas sem nenhuma vocação definida, e com pouca
idade”.
O Semeador e o Ladrilhador
Neste
texto de Sérgio Buarque de Holanda, é feita uma análise das diferenças entre a
colonização portuguesa e espanhola na América, com especial ênfase aos erros
cometidos pelos primeiros no processo de colonizar seus domínios americanos. Apesar
do filme se passar logo no início desse processo, podemos ver alguns desses
equívocos portugueses, que cuidaram “menos em construir, planejar ou plantar
alicerces, do que em feitorizar uma riqueza fácil e quase ao alcance da mão”,
já que “a colônia é simples lugar de passagem”.
Em
vários momentos do filme, em especial nas tomadas vistas de cima, vemos casas
dispostas de forma aleatória, sem nenhum planejamento. Um exemplo bem claro no
filme é quando, por volta de uma hora e sete minutos, Oribela chega a vila
aonde mora Ximeno Dias. Aqui fica bem claro o caráter desordenado das
construções portuguesas e da falta de planejamento e infraestrutura. Sérgio
Buarque aponta que na Bahia, “o maior centro urbano da colônia, um viajante do
princípio do século XVIII notava que as casas se achavam dispostas segundo o
capricho dos moradores. Tudo ali era irregular, de modo que a praça principal,
onde se erguia o Palácio dos Vice-Reis, parecia estar só por acaso no seu
lugar”.
No
caso da colonização espanhola, os castelhanos foram mais ordenados, buscavam a
“criação de núcleos de povoação estáveis e bem ordenados”. Havia um
planejamento para que as ruas tivessem o “acento voluntário da linha reta”,
enquanto que o “traçado geométrico jamais pôde alcançar, entre nós, a
importância que veio a ter em terras da Coroa de Castela”. Outro inconveniente a
ser superado pelos espanhóis era do clima, já que estes procuravam lugares nos
quais o clima não oferecesse, “em geral, grandes incômodos”. No caso português,
dado ao caráter passageiro de sua estada aqui, pouco importava buscar um clima
que fosse semelhante ao europeu. Podemos comprovar isso no filme quando ouvimos
que “dona Oribela anda mal pela temperatura”, ou ainda quando Ximenes Dias
reclama da umidade de nossas terras, que arruínam seu juízo.
Outra
preocupação castelhana, era a de concentrar seus grandes centros longe das
regiões litorâneas, “preferindo as terras do interior e os planaltos”. Já aos
portugueses, “não importava muito aos colonizadores povoar e conhecer mais do
que as terras da marinha, por onde a comunicação com o Reino fosse mais fácil”.
Vemos esse apego português ao litoral aos vinte e um minutos do filme, quando
Oribela, logo após seu casamento, segue a caminho da casa de Francisco de
Albuquerque e reclama que já não consegue mais ver o mar. Esse caráter marítimo
de colonização seguiu por todo o período de dominação portuguesa.
Ouvir, ver, ouvir dizer: relatos
franceses sobre o Brasil
Neste
texto de Lília M. Schwarez, a autora descreve os diversos relatos de franceses
que estiveram presentes, ainda que clandestinamente, nas terras brasileiras, e
com seus relatos sobre o que viam aqui enfureciam a Coroa portuguesa, dada a
sua política do sigilo, de descobrir terras e procurar, ao máximo, não divulgar
nem seus descobrimentos, tampouco o que havia sido descoberto. Muitos desses
relatos envolvem, sobretudo, os conflitos e diferenças culturais entre os
europeus e os indígenas, em especial a extinta tribo dos Tupinambá, e seus
inimigos, os Tupi-guarani.
Apesar
de não vermos nenhum francês ao longo do filme, sua presença nos domínios
portugueses pode ser comprovada quando, por volta dos dez minutos, há um embate
entre os brancos e os Tupinambá, que haviam aprisionado alguns europeus que pretendiam
controlar e cristianizar os índios, sendo que os últimos preferiam seguir com
suas tradições. O chefe dos portugueses pede para ver os prisioneiros levados
pelos índios, e promete devolvê-los caso sejam franceses.
Durante
a cerimônia de casamento, o padre faz um sermão no qual prega para que os noivos
não vivam como os “negros da terra”, em pecado constante. Isso porque para os
portugueses, os nativos viviam “sem fé alguma” o que conformaria uma
“anti-humanidade”. Schwarez ainda cita a teoria do povo sem fé, lei e rei, pela
ausência dos fonemas F, L e R na língua dos índios brasileiros e como a “falta
de fé, práticas de canibalismo e da poligamia serviam para iluminar a certeza
da ausência de regras entre esses povos”. Um momento interessante do filme é
quando uma índia fala em sua língua nativa com Oribela e chama Francisco de
“Pancisco”.
Sobre
o canibalismo, há uma cena na qual Ximeno Dias mostra seu descontentamento
sobre o comércio, em especial a troca de escravos, com os índios, reclamando
que “não anda fácil tratar com eles (os índios)”, pois “querem comê-los, não
vendê-los”.
Sentido da Colonização
Aqui,
Caio Prado Júnior faz uma análise dos fatores que levaram à expansão e
definição das fronteiras brasileiras. Um dos principais fatores apontados pelo
o autor é a pecuária de subsistência, a qual “se deve a ocupação de boa parte
do território da colônia”, e que apesar de pouco presente no filme, pode ser
vista na conversa de Francisco de Albuquerque e sua mãe, quando esta lhe
pergunta sobre o dote do casamento e ele responde que consiste em “dos vacas”.
Por conta disso, Francisco aparece durante a maior parte do filme usando um colete,
botas e cinto de couro.
Formas provisórias de existência
Dado
ao caráter passageiro da estada dos colonos no Brasil, e a precariedade geral
das condições da colônia devido à falta de planejamento e infraestrutura da
Metrópole, os portugueses e seus descendentes criaram formas originais de
adaptação, o que acarretou em uma série de hábitos gerados da mescla da cultura
europeia com a cultura indígena. A autora Laura de Mello e Souza nos aponta
alguns dos “hábitos cotidianos desenvolvidos pelos sertanistas de Piratininga”
que “num primeiro momento, distanciam-se dos trazidos da mãe-pátria europeia, e
adotam os próprios às populações indígenas da região” e “em seguida, começam a
desenvolver hábitos compósitos”.
Um
desses hábitos é a preferência de Francisco por dormir em redes, “a cama mais
pronta e mais portátil que havia”. A mescla com a cultura indígena se pode ver
em uma cena na qual uma índia remove folhas dos pés de Oribela, que haviam sido
machucados pela caminhada a pés descalços desde a praia, demostrando o uso
indígena das plantas medicinais a ser incorporado pelos sertanistas, pois
“quando os entrantes adoeciam, o próprio meio natural lhes fornecia o remédio”.
Escravidão negra em debate
Suely
Robles Reis de Queiróz faz aqui uma análise dos diversos estudos e visões sobre
a questão escravista no Brasil, desde Gilberto Freyre que salientava a “doçura
nas relações de senhores com escravos domésticos”, até autores que apontavam
que havia “castigos diários rotineiros”, até outros que afirmam que existia, em
realidade, uma atitude de “acomodação e ajustamento”.
Com
exceção do escravo de Ximeno Dias, não vemos nenhum escravo negro no filme,
apenas escravos indígenas. Porém, podemos traçar um paralelo com o
comportamento de Oribela ao longo do filme, que procura ter uma maior
mobilidade dentro de seu ambiente, e assim amenizar os castigos que poderia vir
a sofrer. Um exemplo é como Oribela se oferece sexualmente para Francisco, como
perdão por sua fuga e medo de voltar a ser acorrentada. A tática funciona, pois
após esta cena, Oribela ganha um baú com roupas, além de ganhar também a
permissão para andar pela propriedade de Francisco.
MUITO BOM PARABÉNS QUAL FACULDADE VOCE FAZ ?
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